Wednesday, April 15, 2015
AVULSO
"Se a tarde finda e não há verso
ou canção que nos abrigue, o mundo
pode ser o reduto de um vazio
onde a voz se desperdiça, escarpa de fumo
e veneno que sempre nos devolve o eco
da nossa própria incerteza. Não fomos
o que quisemos, nem temos quem nos proteja
do que não pudemos ser. À noite, na rua acesa,
somos actores de outro drama que sofrem a mesma
hora, cheios de um desejo absurdo de cair
e de perder. Por enquanto o ar é doce
e a cidade não escorraça quem celebra o desconsolo
de habitar a sua pele: temos esta estrela amarga
que não luz, que não nos guia - é talvez
a poesia - e amanhã logo se vê."
Rui Pires Cabral, "Mixtape: 13 avulsos", in Morada, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015, p. 351.
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