Monday, April 13, 2015

CILADA



"A fé que perdemos nestas ruas
não se recupera nem produz
as consequências da sua mais profunda
vocação. Antigamente não sabíamos
quase nada e ninguém ensombrava 
o nosso sangue: o desamor era apenas 
um motivo para dividir ao meio
o fundo calafrio de alguns versos. 

Mas foi talvez o amor
que nos manteve juntos e unidos
nas montanhas. E quando a noite
encheu a boca de pedras, nós descemos
à cidade onde julgámos poder respirar 
com mais proveito, outra imprevista
cilada da esperança."


Rui Pires Cabral, "Longe da Aldeia", in Morada, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015, p. 203. 

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