"Ia para lá vaguear, na época das férias, deitar uma olhadela a essas moradias estranhas onde luziam móveis. Casas? Canteira? Não se sabia bem. Tinha entrado uma vez num desses nichos, abandonado pelo proprietário. A luz do dia iluminava tenuamente o fundo da casa. As paredes eram frias e rugosas como os flancos de uma fossa e o silêncio era tenebroso. De noite devia ouvir-se o caminhar miúdo das toupeiras, dentro da terra, e talvez, de tempos a tempos, caíssem do teto vermes, retorcendo-se. Uma porta desconjuntada abria, nas traseiras, sobre um subterrâneo que emitia um sopro bolorento. Para lá, ficava sem dúvida o mundo interdito das galerias, dos corredores, das passagens multiplicadas até ao infinito do coração do rochedo. O grande medo começava ali, nessa soleira onde inchavam os cogumelos cinzentos. Por todo o lado a terra cheirava, cheirava... ao perfume de Madeleine."
Boileau-Narcejac, Vertigo - A Mulher que Viveu Duas Vezes, trad. Miguel Freitas da Costa, Alfragide: Asa, 2017, p. 40.
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