Friday, February 2, 2018

SISTEMA



"As crianças do tipo dela conseguem excogitar as mais puras filosofias. Ada criara o seu sistemazinho próprio. Mal decorrera uma semana depois da chegada de Van, achara-o digno de ser iniciado na sua teia de sabedoria. A vida de um indivíduo compunha-se de certas coisas classificadas: «coisas reais», que eram infrequentes e inestimáveis; «coisas» simplesmente, que constituíam o material rotineiro da vida, e «coisas fantasmas», também chamadas «nevoeiros», como febre, dor de dentes, terríveis desilusões e morte. A ocorrência simultânea de três ou mais coisas formava uma «torre» ou, se ocorriam numa sucessão imediata, uma «ponte». As «torres reais» e as «pontes reais» eram as alegrias da vida e, quando as torres ocorriam em série, experimentava-se um êxtase supremo; mas isso quase nunca acontecia. Em certas circunstâncias e a uma certa luz, uma «coisa» neutra podia parecer ou até tornar-se verdadeiramente «real», ou, inversamente, podia coagular num nojento «nevoeiro». Quando o venturoso e o desventuroso se misturavam, simultaneamente, ao longo de uma duração gradual, estava-se perante «torres em ruínas» e «pontes partidas»."

Vladimir Nabokov, Ada ou Ardor, trad. Fernando Pinto Rodrigues, Lisboa: Teorema, 2004, pp. 86-87. 

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