Tuesday, March 31, 2020

PENSAR NO TEMPO



"Pensar no tempo - em tudo o que está para trás. 
Pensar no dia de hoje e nas idades que hão-de continuar doravante. 

Já imaginaste que tu, tu mesmo, não hás-de continuar?
Já tiveste medo destes escaravelhos da terra?
Já receaste que o futuro nada signifique para ti?
O dia de hoje nada é? o passado sem começo nada é?
Se o futuro nada for, eles certamente nada serão. 

Pensar que o Sol se ergueu no Oriente - que os homens e as 
             mulheres eram ágeis, reais e seres vivos - que tudo vivia, 
Pensar que tu e eu nada vimos, sentimos, pensámos, nem 
             desempenhámos o nosso papel, 
Pensar que agora estamos aqui e desempenhamos o nosso papel."



Walt Whitman, Folhas de Erva, trad. Maria de Lourdes Guimarães. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006, pp. 383-384. 

Monday, March 30, 2020

GRASS



"Amontoem os corpos em Austerlitz e Waterloo, 
Enterrem-nos às pazadas e deixem-me trabalhar:
                  Eu sou a erva que tudo tapa. 

E amontoem-nos em Gettysburg
E amontoem-nos em Ypres e Verdun. 
Enterrem-nos às pazadas e deixem-me trabalhar. 
Dois anos, dez anos, e os passageiros perguntam ao revisor:
                  Que sítio é este?
                  Onde estamos?

                  Eu sou a erva.
                  Deixem-me trabalhar."


Carl Sandburg, Antologia Poética, trad. Vasco Gato, Porto: Flâneur, 2017, p. 91. 

Sunday, March 29, 2020

PASSOS




"Senhor, porque as grandes cidades estão
perdidas e desfeitas;
a maior é como fuga de chamas direitas, 
e não há consolo que lhe dê consolação, 
e o seu pequeno tempo escoa em vão. 

Aí vivem pessoas, mal vivem e com dificuldade, 
em quartos isolados, com gestos angustiados, 
mais do que um rebanho de primogénitos assustados; 
e lá fora vigia e respira a terra tua e dos deserdados, 
mas eles existem e já não sabem essa verdade.

Aí há crianças que crescem em degraus de janelas, 
sempre na mesma sombra fria,
e não sabem que lá fora chamam flores por elas
para um dia cheio de espaço, vento e alegria, 
e têm de ser crianças e são crianças, tristes delas. 

Aí se abrem raparigas ao desconhecido
e têm saudades do seu sossego de infância;
mas não existe o que lhes era querido, 
e a tremer fecham-se na sua ânsia. 
E passam em escondidos quartos das traseiras
os dias da desiludida maternidade, 
o choramingar sem vontade de noites inteiras
e anos frios sem luta e sem tenacidade. 
E completamente no escuro estão leitos de mortes alheias, 
e lentamente desejam que o corpo para aí siga;
e longamente morrem, morrem como em cadeias
e apagam-se como uma mendiga."


Rainer Maria Rilke, O Livro de Horas, 2.ª ed., trad. Maria Teresa Dias Furtado, Lisboa: Assírio & Alvim, 2020, pp. 283; 285. 

Saturday, March 28, 2020

PARUSIA



"Vigiai sobre a vida uns dos outros. Não deixes que a tua lâmpada se apague, nem afrouxes o cinto dos teus rins. Está preparado, porque tu não sabes a que horas Nosso Senhor chegará."

Didaqué, s. trad., Lisboa: Paulus, 2013, XVI-1, p. 45. 

Friday, March 27, 2020

MUSEALIZAÇÃO




"E há ainda a visão da fotografia como musealização do presente. O grande teorizador dos media contemporâneos, Vilém Flusser, deu uma visão de uma humanidade futura cuja única realidade a que tem acesso é a das imagens de computador nas quais o mundo já desapareceu."

António Guerreiro, O Demónio das Imagens - sobre Aby Warburg, Lisboa: Língua Morta, 2018, p. 134. 

Thursday, March 26, 2020

NOVIDADES PARA O ORÁCULO DE DELFOS



"Ali jazem todos os que são diferentes e áureos,
Com o orvalho prateado, 
As grandes águas suspiraram de amor, 
E o vento que suspirou também, 
Niamh, aquela que os escolhe, recostou-se e suspirou
Junto de Oisin na relva; 
Ali suspirou entre o seu coro de amor
O imortal Pitágoras, 
Raiado de sal sobre o seu peito, 
Plotino veio, olhou em volta, 
E, num bocejo, tendo-se deitado
Ficou a suspirar com os outros."


W. B. Yeats, Os Pássaros Brancos e Outros Poemas, trad. Maria de Lourdes Guimarães e Laureano Silveira, Lisboa: Relógio d'Água, 2012, p. 145. 

Wednesday, March 25, 2020

PATHOSFORMEL




"Pode, pois, seguir-se aqui, passo a passo, o modo como os artistas e os seus mentores viram nos «Antigos» um modelo que exigiu a intensificação do movimento externo, e se apoiaram em modelos Antigos sempre que se tratou da representação dos acessórios animados do exterior - vestes e cabeleiras.
De passagem, note-se que esta demonstração é importante para a estética psicológica porque é aqui, nos círculos dos artistas criadores, que se pode observar o devir da sensibilidade para o acto estético da «empatia» como formador do estilo."


Aby Warburg, O Nascimento de Vénus e a Primavera de Sandro Botticelli, trad. Artur Morão, Lisboa: KKYM-Imago, 2012, p. 7. 

Tuesday, March 24, 2020

PROGNÓSTICO



"Este ano os cegos hão-de ver muito pouco e muito pouco hão-de ouvir os surdos, os mudos não dirão quase nada, os ricos andarão um pouco melhor que os pobres e os saudáveis melhor que os enfermos. Muitos carneiros, bois, porcos, aves, frangos e patos vão morrer, mas a mortandade será menos cruel entre os macacos e os dromedários. A velhice será este ano incurável por via dos anos passados. Aos pleuríticos vão doer-lhes os costados. Os que tiverem cólicas muitos correrão para o assento. Os catarros vão este ano cair para os membros de baixo. A maleita dos olhos prejudicará muito a vista."

François Rabelais, Almanaques e Prognósticos, trad. Carlos Amador, Porto: Campo das Letras, 1995, p. 39. 

Monday, March 23, 2020

AS RUPTURAS




"Meu Deus, como compreendo a tua hora, 
quando tu, para que ela no espaço se arredondasse, 
a voz à tua frente colocaste outrora; 
para ti o nada era como uma ferida que não sarasse, 
e tu refrescaste-a com o mundo. 

Agora sara baixinho entre nós. 

Pois os passados bebiam 
as muitas febres que no doente apareciam, 
nós já sentíamos, em suaves oscilações que se abriam, 
o pulso calmo do fundo. 

           Sobre o nada descansamos como abrigo
e cobrimos todas as rupturas;
mas tu cresces para o desconhecido
à sombra do teu rosto sem fissuras."


Rainer Maria Rilke, O Livro de Horas, 2.ª ed., trad. Maria Teresa Dias Furtado, Lisboa: Assírio & Alvim, 2020, p. 113. 

Sunday, March 22, 2020

PECCATUS



"Digam-vos o que disserem esses loucos astrólogos de Lovaina, Nuremberga, Tubinga e Lião, não acrediteis que vá este ano haver outro Regente do universo senão Deus o criador, que tudo rege e dirige por sua divina palavra, que decide da natureza, propriedades e características de todas as coisas que, não fora seu sustento e governo, num instante ficariam reduzidas a nada, como do nada ele lhes deu ser."

François Rabelais, Almanaques e Prognósticos, trad. Carlos Amador, Porto: Campo das Letras, 1995, pp. 33; 35. 

Saturday, March 21, 2020

A POESIA



"Fala

Ouvir-te-ei
Ainda que os segredos
As amoras me chamem

Diz-me
Que existirão lágrimas para chorar
Na velhice
Na solidão

Ainda que acordes os olhos dos deuses

Fala
Ouvir-te-ei
A coragem

Alguém de nós que já não está"


Daniel Faria, Poesia, 2ª ed., ed. Vera Vouga, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015, p. 394. 

Friday, March 20, 2020

A PRIMAVERA




"Estamos a construir-te com mãos a tremer
para átomo sobre átomo uma torre fazer.
Mas quem te pode concluir, 
ó catedral a subir?

Roma o que é?
Soçobra. 
E o mundo, que obra?
É despedaçado
antes das cúpulas sobre torres terem assentado, 
antes que de milhas de mosaico tenha assomado
tua fronte de brilho dourado. 

Mas por vezes a sonhar
posso abarcar
teu espaço, 
profundamente desde o início não acabado
até à aresta dourada do telhado.

E vejo que meus sentidos inatos
formam e constroem a descompasso
os últimos ornatos."


Rainer Maria Rilke, O Livro de Horas, 2.ª ed., trad. Maria Teresa Dias Furtado, Lisboa: Assírio & Alvim, 2020, p. 59. 

Thursday, March 19, 2020

JOSÉ



"Dirijo o olhar ao que dormita, enquanto as nuvens se acastelam sobre o nosso grupo. Um clarão se Lhe forma, à volta das têmporas, decorrente dos lampejos dos quatro pontos cardiais, resumindo-se na púrpura do norte, no roxo do sul, no amarelo do levante, no laranja do ocaso. E tem o cérebro infantil, sobre o qual a madeixa doirada esvoaça, a simbólica distensão do Universo, com suas galáxias e suas constelações, seu fogo e seu gelo, suas linhas invisíveis que os meteoritos percorrem."

Mário Cláudio, A Fuga para o Egipto, Lisboa: Quetzal, 1987, p. 15. 

Wednesday, March 18, 2020

ESTADO DE EXCEÇÃO




"De nada serve, ó deuses da morte, enquanto tiverdes
        Em vosso poder, prisioneiro, o homem acossado pelo destino,
Enquanto, no vosso furor, o tiverdes lançado na noite tenebrosa, 
       De nada serve então procurar-vos, suplicar-vos ou queixarmo-nos, 
Ou viver pacientemente neste desterro de temor, 
       E escutar sorrindo o vosso canto sóbrio.
Se assim for, esquece a tua felicidade e dormita silenciosamente."



Friedrich Hölderlin, "Pranto de Ménon por Diotima", in Elegias, trad. Maria Teresa Dias Furtado. Lisboa: Assírio & Alvim, 2000, p. 35. 

Tuesday, March 17, 2020

AS QUATRO IDADES




"Principiou a lutar com o corpo, 
Mas o corpo venceu: caminha erguido.

Depois lutou com o coração; 
Separam-se a inocência e a paz. 

De seguida lutou com o espírito;
Ficou abandonado o seu coração orgulhoso. 

Agora começam as guerras com Deus;
Ao soar da meia-noite Deus vai triunfar."


W. B. Yeats, Os Pássaros Brancos e Outros Poemas, trad. Maria de Lourdes Guimarães e Laureano Silveira, Lisboa: Relógio d'Água, 2012, p. 125. 

Monday, March 16, 2020

DERRAMADO





"Nós que empreendemos e pensámos, 
Que pensámos e empreendemos, 
Temos de deambular e esgueirar-nos
Como leite derramado numa pedra."


W. B. Yeats, Os Pássaros Brancos e Outros Poemas, trad. Maria de Lourdes Guimarães e Laureano Silveira, Lisboa: Relógio d'Água, 2012, p. 101. 

Sunday, March 15, 2020

OS IDOS




"«Artemidoro, o médico, veio
com a receita: eu que a lesse, 
porque era assunto do meu interesse.
Dobrei o papel e guardei-o. Depois leio-o. 

Eu sei: falta por aqui alguma elevação;
o modo é menor, a forma epigramática.
- Mas tenho gente à espera e a realidade prática
se não no Senado no ao menos coração.»"


Manuel António Pina, in Todas as Palavras - Poesia Reunida, 3.ª ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 2013, p. 200. 

Saturday, March 14, 2020

ROSTO SOLITÁRIO




"Quem sonhou que a beleza passa como um sonho?
Por estes lábios vermelhos, desolados no seu orgulho, 
Desolados, sem esperança de novos prodígios, 
Tróia desapareceu nas fúnebres e altas chamas
E os filhos de Usna morreram. 

Nós e o mundo palpitante vamos passando
Por entre almas de homens que vacilam e cedem
Como pálidas águas na sua corrida de Inverno, 
Sob estrelas que passam, espuma do céu, 
Vidas neste rosto solitário. 

Inclinai-vos, arcanjos, na vossa morada sombria:
Antes de existirdes ou que um coração batesse, 
Fatigado e afável, alguém se deteve junto ao Seu trono;
Por ela fez Ele do mundo uma estrada verde
Para os seus pés errantes."
´

W. B. Yeats, Os Pássaros Brancos e Outros Poemas, trad. Maria de Lourdes Guimarães e Laureano Silveira, Lisboa: Relógio d'Água, 2012, p. 25. 

Friday, March 13, 2020

TREZE




"quando aqueles que chegavam
olhavam os que partiam
os que partiam choravam
os que ficavam sorriam"


Mário Cesariny, Manual de Prestidigitação, Lisboa: Assírio & Alvim, 2008, p. 75. 

DO ESTILO



"Quanto a Bernard Berenson, ao saber que a Virgem acabara de aparecer a Pio XII, colocou imediatamente a questão que se impunha a um historiador de arte: «Em que estilo?»"

Jacques Bonnet, Bibliotecas cheias de fantasmas, trad. José Mário Silva, Lisboa: Quetzal, 2010, p. 102. 

Thursday, March 12, 2020

A PARTIDA



"As alegorias que associam o xadrez e a morte são perenes: das xilogravuras medievais e dos frescos renascentistas aos filmes de Cocteau e de Bergman. A morte ganha a partida, e, contudo, ao jogar, submete-se, ainda que de forma somente momentânea, a regras completamente estranhas ao seu império. Os amantes jogam xadrez para deterem a constante passagem do tempo e para se isolarem do mundo."

George Steiner, Extraterritorial, trad. Miguel Serras Pereira, Lisboa: Relógo D'Água, 2014, p. 69. 

Wednesday, March 11, 2020

THE GROWTH


"A tradição dos oprimidos ensina-nos que o «estado de excepção» em que vivemos é a regra. Temos de chegar a um conceito de história que corresponda a esta ideia. Só então se perfilará diante dos nossos olhos, como nossa tarefa, a necessidade de provocar o verdadeiro estado de excepção"

Walter Benjamin, O Anjo da História, trad. João Barrento, Lisboa: Assírio & Alvim, 2017, p. 13. 

Tuesday, March 10, 2020

ANIVERSÁRIO




"Destino de árvore é o meu, que em vão esbraceja.
Sonho de nuvem é o meu, pois alto corre."


Armindo Rodrigues, "As Raízes e as Grades", in Obra Poética, Lisboa: Sociedade de Expansão Cultural, 1970, p. 167. 

Monday, March 9, 2020

PARA O DIVINO MAX VON SYDOW




"Procuramos os mortos
debaixo da erva e estendemos os dedos
e não temos sossego, nem amanhã nem depois de amanhã, 
nem debaixo da árvore, nem por trás das colinas, 
nem por azinhagas solitárias, 
ode se sente o hálito do último vento de Março."


Thomas Bernhard, Na Terra e no Inferno, trad. José A. Palma Caetano, Lisboa: Assírio & Alvim, 2000, p. 187. 

Sunday, March 8, 2020

FIGURA CELESTE



"Isso leva ao reconhecimento, no interior da divindade - pelo menos naquilo que pode aperceber o olhar dos homens -, da existência de dois princípios complementares, cuja tradução, na linguagem humana, leva à criação da sexualidade no mundo dos homens. É o que explica o Zohar: «O primeiro homem era simultaneamente macho e fêmea, diz o Rabi Abba, porque a Escritura refere: "E disse Elohim: Façamos o homem à nossa imagem e à nossa semelhança" assemelhar a Deus que foi criado simultaneamente macho e fêmea, e só foi separado ulteriormente». Disto concluímos que qualquer figura que não represente o macho e a fêmea não se assemelha à figura celeste."


René de Tryon-Montalembert, Kurt Hruby, A Cabala e a Tradição Judaica, trad. Renato Manuel Francisco, Lisboa: edições 70, 1979, p. 107. 

Saturday, March 7, 2020

ESTAR NO ESPAÇO



"«É que o sonho, minha senhora, é uma acção que se tornou ideia; e que por isso conserva a força do mundo e lhe repudia a matéria, que é o estar no espaço. Não é verdade que somos livres no sonho?»
«Sim, mas é triste o acordar...»
«O bom sonhador não acorda. Eu nunca acordei. Deus mesmo duvido que não durma. Já uma vez Ele mo disse...»"


Fernando Pessoa, A Hora do Diabo, ed. Teresa Rita Lopes, 2ª ed. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004, pp. 44-45. 

Thursday, March 5, 2020

LARGAR




"Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma, 

Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último, 

Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá. 

Que trono que querem dar
Que Átropos to não tire?

Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?

Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra

Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada? 

Colhe as flores mas larga-as
Das mãos mal as olhaste. 

Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio."


Ricardo Reis (Fernando Pessoa), Odes, org. António Quadros, 3ª ed., Mem Martins: Publicações Europa-América, s.d., pp. 103-104. 

Wednesday, March 4, 2020

VAPORES



"Quanto aos espectros e espíritos, até aqui não colhi a seu respeito nenhuma propriedade inteligível, apenas produções da imaginação que ninguém é capaz de compreender. Quando dizeis que estes espectros e espíritos, que habitam mais abaixo (para utilizar a vossa linguagem, se bem que ignore se a matéria é menos meritória mais em baixo do que em cima) são compostos por uma substância muito fina, muito rara e muito subtil. pareceis falar de teias de aranha, de ar ou de vapores. Dizer que estes espectros e estes espíritos são invisíveis tem tanto valor para mim como se dissésseis o que eles não são em vez de dizerdes o que são; a menos, talvez, que queirais dizer que estes espíritos se tornam ora visíveis, ora invisíveis, ao sabor dos seus caprichos, e que a imaginação terá certo embaraço em explicar a coisa, como em outros casos impossíveis."

Baruch de Espinosa, Sobre Espectros e Espíritos, trad. Telma Costa, Lisboa: Teorema, 2005, pp. 57-58.

Tuesday, March 3, 2020

ADORMECER




"Um pinheiro repete outro pinheiro
até à densidade de um pinhal sombrio.
Entre montes adormece o vale.
No fundo do vale adormece o rio."


Joaquim Namorado, A Poesia Necessária, Coimbra: Vértice, 1966, p. 70. 

Monday, March 2, 2020

PENSAMENTOS DE CARNE




"Não era verdade que 
os mortos não pudessem 
voltar e que, ao fazê-lo, 
surgissem para nos seduzir 
com encantos cujo segredo, 
sob promessa de não retorno, 
guardara o túmulo. Que nome
dar então à luxúria de um corpo 
que da morte se levanta e refulge
da dor que lhe vem da matéria 
mais obscura? Amar, assim, 
é ter só pensamentos de carne
e reinventar o mundo a partir
de formas que a matéria
no seu fluxo salvou
das promessas do futuro."


Fernando Guerreiro, Teoria do Fantasma, Lisboa: Mariposa Azual, 2011, p. 41. 

Sunday, March 1, 2020

INVOLUTOSAS



"Deste modo, TUDO ESTÁ EM TUDO... e a grande Lei da involução universal ou do universo, encadeamento das realidades, explica que em tudo o que existe nós reencontramos um único e mesmo princípio fundamental, envolvendo todas as coisas e envolvendo-se a si mesmo, sob a multiplicidade das suas cascas ou das suas conchas que se colocam umas por cima das outras, cada qual constituindo ao mesmo tempo um detalhe de um todo. Assim se enrolam e desenrola, as camadas das cebolas e as cascas das nozes... assim se tornam «involutosas» e se dividem as camadas das cebolas e os orbes dos mundos..."

René de Tryon-Montalembert, Kurt Hruby, A Cabala e a Tradição Judaica, trad. Renato Manuel Francisco, Lisboa: edições 70, 1979, p. 93.