Monday, March 23, 2020

AS RUPTURAS




"Meu Deus, como compreendo a tua hora, 
quando tu, para que ela no espaço se arredondasse, 
a voz à tua frente colocaste outrora; 
para ti o nada era como uma ferida que não sarasse, 
e tu refrescaste-a com o mundo. 

Agora sara baixinho entre nós. 

Pois os passados bebiam 
as muitas febres que no doente apareciam, 
nós já sentíamos, em suaves oscilações que se abriam, 
o pulso calmo do fundo. 

           Sobre o nada descansamos como abrigo
e cobrimos todas as rupturas;
mas tu cresces para o desconhecido
à sombra do teu rosto sem fissuras."


Rainer Maria Rilke, O Livro de Horas, 2.ª ed., trad. Maria Teresa Dias Furtado, Lisboa: Assírio & Alvim, 2020, p. 113. 

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