Saturday, October 31, 2020

DENN DIE TODTEN REITEN SCHNELL (servindo de homenagem ao Divino Sean Connery)

 



"«Vai-te daqui, ser insensível; tu desconheces o que é o amor. Oh! Pudessem as minhas lágrimas remover a camada de terra que a esconde destes olhos; pudesse o meu gemido de angústia ressuscitá-la do seu sono de morte! Não, ela não quereria voltar para o seu leito de terra.»

«Que insensato és! E suportarias tu contemplar, sem te arrepiares, um ser vomitado pelas mandíbulas do túmulo? E será que tu também és o mesmo de quem ela se apartou? Pois terá o tempo passado sobre o teu rosto sem nele deixar marcas? Será que o teu amor não se converteria em ódio e repulsa?»

«Mais depressa as estrelas abandonariam o alto firmamento, e o Sol doravante se recusaria a espalhar os seus raios pelos céus. Oh!, que ela se encontrasse diante de mim uma vez mais! Que uma vez mais repousasse sobre este peito! Quão depressa olvidaríamos que a morte ou o tempo alguma vez se interpusera entre nós!»"


Johann Ludwig Tieck, "Não Acordes os Mortos", in Histórias de Vampiros, trad. Margarida Periquito, Lisboa: Relógio D' Água, 2008, p. 53. 

Friday, October 30, 2020

JAZER

 



"Na paisagem que amanhece
jaz o corpo de ninguém

maior do que a noite
e os olhos que ela tem

jaz um pouco de lado
voltado para a lua

coberto de nada
na paisagem nua

nunca teve um nome
não espera o Além

o corpo que jaz 
e é de ninguém"


António José Forte, Uma Faca nos Dentes e Outros Textos, Lisboa: Antígona, 2017, p. 106. 

Thursday, October 29, 2020

TODAS AS MANHÃS

 



"Entre lágrimas de crocodilo
o homem com gestos de lava
que aponta o local do crime
todas as manhãs
e eu despido de rosas
subo a escada de caracol da morte
para ir deixar na tua pele a assinatura bárbara
com a caligrafia trémula de todas as manhãs
e todas as noites de terror
entre a música dos astros"


António José Forte, Uma Faca nos Dentes e Outros Textos, Lisboa: Antígona, 2017, p. 93. 

Wednesday, October 28, 2020

MEMÓRIA

 



"À flor da terra a flor de fumo
dos meus cigarros adolescentes
fumados amorosamente entre fantasmas

desse tempo
os meus pulmões que dançam
os meus olhos de desobediência civil
fascinados
que saúdam o arco histérico do desejo

o meu nome que flutua
na orla de furor

desse tempo
uma paisagem de nuvens inventadas
para as minhas aves      altíssimas
suspensas sobre a morte"


António José Forte, Uma Faca nos Dentes e Outros Textos, Lisboa: Antígona, 2017, p. 89. 

Tuesday, October 27, 2020

MÉTODO

 



"Quando me apercebi do início desse estado mental, anunciado pela formação de pele de galinha no corpo das pessoas - se me permitem a expressão -, o meu primeiro impulso foi apagar a lareira e ir para a cama. Este sempre me pareceu o método mas fácil de me livrar de fantasmas indesejáveis e, confirmando isto, tenho reparado que outras pessoas que têm sido desagradavelmente assombradas têm sofrido na directa proporção da sua incapacidade para tomar a iniciativa que me parece ser a mais natural do mundo esconderem-se debaixo dos lençóis! Quando o fantasma de César lhe apareceu ao pé do divã, antes da batalha de Filipos, Brutus sentou-se, olhou para a aparição horrenda e sentiu o sofrimento correspondente, quando lhe teria sido muito mais fácil e natural enfiar a cabeça debaixo da almofada, desviando assim os olhos daquele espectáculo sempre desagradável. É esta medida que eu tenho sempro tomado, e nunca me arrependi. É que nem o fantasma mais luminescente do mundo consegue brilhar através de uma almofada bem enchida ou da costumeira remessa de cobertores de lã recebidos no Natal."


John Kendrick Bangs, Fantasmas Que Eu Conheci e Alguns Outros, trad. Luís Miguel Coutinho, s.l.: alfabeto, 2011, pp. 37-38. 

Monday, October 26, 2020

CARTAS PARA CHOVER

 



" Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva duma estrada

alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
e eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler

alguma coisa onde tu ao norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-lo passar na direcção dos rios

alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar"


António José Forte, Uma Faca nos Dentes e Outros Textos, Lisboa: Antígona, 2017, p. 35. 

Sunday, October 25, 2020

CICLO

 



"Toda a água aspira a tornar-se vapor, e todo o vapor a voltar a ser água."


Marguerite Yourcenar, O Tempo, Esse Grande Escultor, trad. Helena Vaz da Silva, Lisboa: Relógio D'Água, 2020, p. 177. 

Saturday, October 24, 2020

CORES

 



"Um jardineiro faz-me notar que é no Outono que vemos a verdadeira cor das árvores. Na Primavera, a abundância de clorofila veste-as a todas com uma libré verde. Chegado Setembto, elas mostram-se cobertas das suas cores próprias, a bétula loira ou doirada, o bordo amarelo-laranja-vermelho, o carvalho cor de bronze e ferro."

Marguerite Yourcenar, O Tempo, Esse Grande Escultor, trad. Helena Vaz da Silva, Lisboa: Relógio D'Água, 2020, p. 175.  

Friday, October 23, 2020

RESISTIR

 



"Amar alguém não é simplesmente querer que ele viva, e também espantar-se de que ele deixe de viver, como se morrer não fosse natural. E no entanto, o ser é um milagre mais surpreendente que o não-ser; se pensarmos nisso, é diante daqueles que vivem que nos deveríamos ajoelhar como diante de um altar. Imagino que a Natureza se cansa de resistir ao nada, como o homem de resistir às solicitações do caos."

Marguerite Yourcenar, O Tempo, Esse Grande Escultor, trad. Helena Vaz da Silva, Lisboa: Relógio D'Água, 2020, p. 24. 

Thursday, October 22, 2020

PREFERIR



"Todos nós somos uma síntese com uma finalidade espiritual: essa é a nossa estrutura. Mas quem não prefere habitar a cave, as categorias do sensual? O homem não só prefere viver nelas, como se ama a tal ponto, que se zanga quando lhe propõem o primeiro andar, o andar nobre, sempre vago e acolhedor - porque afinal toda a casa lhe pertence."


Sören Kierkegaard, Desespero - A Doença Mortal, trad. Ana Keil, Porto: Rés- Editora, 2003, p. 56. 

Wednesday, October 21, 2020

IMPÉRIO

 




"E a resposta de Verónica foi esta:
«Meu Esposo, estou pronta. A tudo o que quiserdes, consinto; tomo posse deste precioso castelo de puro padecer, desta fortaleza da tua cruz; e quero que seja para mim não castelo, mas império; não fortaleza, mas cidade sublime; porque onde existe a cruz, aí se encontram todos os tesouros.»"


Paola Giovetti, Fenómenos Extraordinários de Místicos e Santos, trad. Mário Santos, ssp, Lisboa: Paulus Editora, 2016, p. 118. 

Tuesday, October 20, 2020

NÓTULA

 



"Mas o desespero só se define pelo seu contrário, e para que tenha valor artístico, a expressão deve então apresentar uma como que coloração com um reflexo dialéctico do contrário. Portanto, em toda a vida humana - que se julga já infinita ou que o quer ser - cada instante é desespero. Porque, o eu é uma síntese de finito, que delimita, e de infinito, que ilimita. O desespero que se perde no infinito é portanto imaginário, informe; porque, o eu não tem saúde e não está livre do desespero, a não ser quando, tendo-se desesperado transparece para si mesmo e se embebe em Deus."


Sören Kierkegaard, Desespero - A Doença Mortal, trad. Ana Keil, Porto: Rés- Editora, 2003, p. 42. 

Monday, October 19, 2020

TEMPOS

 


"O cristão é o único que conhece a doença mortal. O cristianismo dá-lhe uma coragem ignorada pelo homem natural - coagem acompanhada do receio dum maior grau de horrível. Certo é que a coragem a todos é dada, e que o temor dum maior perigo nos dá forças para afrontar um perigo menor, e que o infinito temor dum único perigo torna inexistentes todos os outros. Mas a lição horrível do cristianismo está em ter aprendido a conhecer «a Doença mortal»."


Sören Kierkegaard, Desespero - A Doença Mortal, trad. Ana Keil, Porto: Rés- Editora, 2003, p. 13. 

Sunday, October 18, 2020

OS DIAS

 


"Depois disse aos discípulos: «Lá virá o tempo em que desejarão ver ao menos um só dos dias do Filho do Homem e não poderão ver. Alguns hão-de dizer-lhes: «Olha, está aqui», ou «está acolá». Mas não vão atrás desses boatos, porque o Filho do Homem virá no seu dia próprio como um relâmpago que ilumina o céu de um extremo ao outro."

Lc 17, 22-24. 

Saturday, October 17, 2020

ENQUANTO A MEMÓRIA VEJA

 


"Está-se lá dentro, nas esferas vivas, sem saber para onde se ia, nem de onde se vinha. Para sempre, o que não é exagero nenhum, enquanto a memória veja. Mas suponho que são estas bagas translúcidas que atravessam de sorrisos o cochilar dos velhos e dos meninos que hão-de voltar a ser. Se voltarem. Ele há tanto sítio e lugar e ser de que se está tão certo e tão seguro em sonhos, que é bem possível que para lá se vá ou de lá se venha. A alma é imortal mas não nos é dado saber aonde se demora."


Maria Velho da Costa, O Amante do Crato, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p. 58. 

Friday, October 16, 2020

SOB AQUELA TRANSPARÊNCIA

 



"A folha que se estende junto no corpo
e assim entrega o vento, o que ficava 
entre o vidro que afasta dos jardins
a face um pouco erguida, na surpresa

de esperar sob aquela transparência
algo que fosse mais que um leve assomo
agora reflectido, enquanto um gesto
sustenta à nossa volta o que se perde

até ficar mais lisa a superfície
sem fim que recolhesse a simetria
apenas descoberta, porque existe

nos contornos da sombra o que susteve
sem esforço esse rosto, onde se encontram
as linhas de ser outro o seu limite."


Fernando Guimarães, Casa: o seu desenho, Lisboa: IN-CM, 1985, p. 54. 

Thursday, October 15, 2020

DESPRENDIDOS

 



"Haver mortos é um lugar aonde
o olhar se arredonda a ver.
E ver desembacia-se. É horizonte
à volta do que vê.

Mas, quanto desprendido se tiver do corpo
para ser corpo desprendido, é
inacessível aos olhos
Embora ver
ande perto do sítio aonde os mortos, 
depois de desprendidos do seu corpo, 
se sintam ver."


Fernando Echevarría, "Sobre os Mortos", in Poesia, 1987-1991, Porto: Afrontamento, p. 194. 

Wednesday, October 14, 2020

DO DESCONFORTO


"Não fossem os grandes olhos meigos numa água verde, onde giravam sem cessar ciscos de ouro, o reles filho da raça dos esgotos era, debaixo da pobre e flutuante pelagem, um gato inconfessável. 

- Isto aqui é de morrer! - concluiu Jacques na altura em que o animal se recusou a brincar. - É tudo tão incómodo! Não há sequer uma poltrona onde possamos sentar-nos! E é impossível fumarmos um tabaco que não esteja molhado como num dia passado na praia! E até deixamos de sentir vontade de ler!"


J.-K. Huysmans, O Castelo do Homem Ancorado, trad. Aníbal Fernandes, Lisboa: Sistema Solar, 2018, p. 157.

Tuesday, October 13, 2020

RENASCIA

 


"Tinha terminado o enorme esplendor de cintilações, aquela chuva de sol que abatera o grande vento de angústia soprado na véspera sobre o seu espírito. O seu coração voltava a apertar-se com uma indizível tristeza. Agora, com um dia claro e de uma lucidez que tinha, apesar de tudo, reflexos na sua alma, renascia a lembrança da pavorosa noite naquelas ruínas, com a vergonha de se ter visto tão perturbado por uma estada nas trevas."

J.-K. Huysmans, O Castelo do Homem Ancorado, trad. Aníbal Fernandes, Lisboa: Sistema Solar, 2018, p. 50. 

Monday, October 12, 2020

DAS REGIÕES OCULTAS

 


"É tudo muito estranho, concluiu. E continuou pensativo porque o insondável enigma do Sonho assombrava-o. Seriam estas visões, como o homem durante muito tempo acreditou, uma viagem para fora do corpo, um impulso projectado para fora do mundo, uma vadiagem do espírito fugido à sua hospedaria carnal, errante ao acaso das regiões ocultas, em anteriores futuros limbos?"

J.-K. Huysmans, O Castelo do Homem Ancorado, trad. Aníbal Fernandes, Lisboa: Sistema Solar, 2018, p. 53. 

Sunday, October 11, 2020

O SUSTO

 



"Outra mulher: o susto
a entrar no pesadelo;
oprime-a o ar; e cada passo
é apenas peso: seios
aonde os mamilos pendem, 
gotas duras
de leite e medo; quase pedras; 
memória tropeçando
em árvores, parentes, 
num descampado vagaroso; 
e amor também:
espécie de peso que produz
por dentro da mulher
os mesmos passos densos."


Carlos de Oliveira, "Entre Duas Memórias", in Trabalho Poético, Lisboa: Círculo de Leitores, 2001, p. 306. 

Saturday, October 10, 2020

EXALÁVEL

 


"Ficou acabrunhado por uma tristeza entorpecedora, diferente da que sentira durante o caminho. A personalidade das suas angústias sumira-se; tinham-se alargado, dilatado, perdido a particular essência, tinham ao fim e ao cabo saído dele para se combinar com a indizível melancolia exalável pelas paisagens entorpecidas sob o pesado repouso das noites; foi aliviado por essa vaga e afogada angústia que exclui a reflexão, que purifica a alma dos seus mais nítidos transes, que adormenta os pontos dolorosos, dulcificando com o seu mistério a certeza dos bens definidos sofrimentos."

J.-K. Huysmans, O Castelo do Homem Ancorado, trad. Aníbal Fernandes, Lisboa: Sistema Solar, 2018, p. 16. 

Friday, October 9, 2020

SE PARTIR



"Se partir pudesse ser não mais
mas o ódio tem fome sob a dor
e a dor é um passo predador
voraz como um exército de formigas"


Maria Andresen, O que Move o Silêncio do Cavalo e Anteriores Lugares, Lisboa: Relógio D'Água, 2020, p. 204. 

 

Wednesday, October 7, 2020

PROVAS

 



" - Porque não pensas na existência de Deus? É mais saudável e oferece-te melhores recursos e habilidades mentais. 
- Já pensei nisso também. Já cheguei à prova matemática de que Deus não existe. 
- Se não existe, persiste o problema - disse ela."


Agustina Bessa-Luís, O Sermão do Fogo, 3.ª ed., Lisboa: Relógio D'Água, 2019, p. 193. 

Tuesday, October 6, 2020

VOZ QUE BEBO

 



"É por isso que adormeço numa luz em movimento
E escolho um espaço para ver o espaço de frente
A sua cor de silêncio nocturno e desenho
Uma maneira quieta de estar nele tranquilo

Há nesse espaço uma fonte, um animal que desperta
Uma criança que navega com as próprias mãos.
Bebo com as mãos juntas.

Há uma voz que bebo. Há um espaço entre as mãos mas não perco
A sede. A água multiplica-se porque a tiro do coração
Que escuta.

Há um espaço no corpo que pode ser um lugar.
À sombra posso olhá-lo até o ver
Posso tocar as chagas no corpo

E posso beber dele morrendo
Nele como quem entra de tanto
O desejar."


Daniel Faria, Poesia, 2ª ed., ed. Vera Vouga, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015, p. 133.

Monday, October 5, 2020

O SUPREMO LUGAR

 



"Estamos todos aqui sentados a ouvir
a morte
porque a morte faz-se ouvir
no modo assim
de ocupar a tarde;
trememos, uns e outros, em exaltações cansadas
e o recitador mata-se
na recitação
como se cantasse no deserto a oração

Porque desceu a morte sobre nós?
(às vezes ficamos completamente brancos e outras vezes loucos)
e assoma em mim, em nós, algures na sala
a memória de quem se não sentava
senão no rebordo das cadeiras
- o supremo lugar da impaciência - 
o supremo lugar da salvação"


Maria Andresen, O que Move o Silêncio do Cavalo e Anteriores Lugares, Lisboa: Relógio D'Água, 2020, p. 126. 

Sunday, October 4, 2020

A IMAGEM DA ALMA

 



" - Não, não tenho. Encontraste a imagem da alma, morrerás disso. 
- Que dizes?
- Nada, nada... Mas olha: ao menos afasta-te para longe, porque não há nada que mais contamine do que alguém que tocou a imagem da alma. Fica possesso, a pele despede centelhas, todos vêem que é feito de matéria incandescente, de sal, de carvão, de hulha. Já não vive, participa do ar e da luz; na sua presença as pessoas caem num assombro delirante, esquecem os seres amados, andam distraídas dos negócios, o tempo não as move, e tudo na terra parece perdurar numa paz de fogo. A imagem da alma penetra a natureza inteira, e, quando alguém a viu, torna-se invulnerável, límpido, capaz de atravessar distâncias, corpos opacos e sólidos, os pensamentos mais reservados. Caminha morto, vai separado do seu ser, avança no espaço, e os guerreiros olham-no atónito e felizes, os guerreiros do ferro, da palavra, do amor e da inteligência. Aquele que tocou a imagem da alma nunca mais tem sossego, torna-se numa calamidade sublime."


Agustina Bessa-Luís, O Sermão do Fogo, 3.ª ed., Lisboa: Relógio D'Água, 2019, pp. 143-144. 

Saturday, October 3, 2020

O VENTO DO NÃO SENSO

 



"Queria o sol tosco inacabado
Queria o vento tempestuoso batendo palmas entre as folhas
Queria a ignorância, a primeira ideia, o sol

Queria a pobreza, o ar, o apodrecimento, a terra
porque o vento do não senso trespassa-nos a vida - o nexo
do insensato, do insensível - 
o não senso da vida, o seu nexo"


Maria Andresen, O que Move o Silêncio do Cavalo e Anteriores Lugares, Lisboa: Relógio D'Água, 2020, p. 108. 

Friday, October 2, 2020

O DESCONHECIDO

 


"Que o desconhecido habita em qualquer um e em ninguém:
assim o que é duro na beleza, o que acede como inflamação da febre
no dominar de um cavalo ou na ciência das rosas:

O impossível ocorre em terrenos já fertilizados e
torna-os muito inférteis
assim o que no silêncio ocorre"


Maria Andresen, O que Move o Silêncio do Cavalo e Anteriores Lugares, Lisboa: Relógio D'Água, 2020, p. 114.


Thursday, October 1, 2020

VOLTAR

 


"- Aceita, dás-me tanto gosto nisso! E não me deixes, não me deixes... Todos são tão doidos e insistem em que precisam de mim, Que posso dar, eu? Só gosto de ti. Não me deixes, volta para cá e não te vás embora nunca mais. Tudo morre, sem ti. Os animais fazem-se rebeldes e as crianças choram de noite; levantam-se a chorar e contam os sonhos maus que tiveram, põem-se a olhar as paredes e a chorar. Pedem-me tantas coisas... Não sei onde deixo as luvas, perco os lenços, por toda a parte, os livros rasgam-se sozinhos nas minhas mãos. Ah, que vida, que vida!"


Agustina Bessa-Luís, O Sermão do Fogo, 3.ª ed., Lisboa: Relógio D'Água, 2019, p. 95.