" - Não, não tenho. Encontraste a imagem da alma, morrerás disso.
- Que dizes?
- Nada, nada... Mas olha: ao menos afasta-te para longe, porque não há nada que mais contamine do que alguém que tocou a imagem da alma. Fica possesso, a pele despede centelhas, todos vêem que é feito de matéria incandescente, de sal, de carvão, de hulha. Já não vive, participa do ar e da luz; na sua presença as pessoas caem num assombro delirante, esquecem os seres amados, andam distraídas dos negócios, o tempo não as move, e tudo na terra parece perdurar numa paz de fogo. A imagem da alma penetra a natureza inteira, e, quando alguém a viu, torna-se invulnerável, límpido, capaz de atravessar distâncias, corpos opacos e sólidos, os pensamentos mais reservados. Caminha morto, vai separado do seu ser, avança no espaço, e os guerreiros olham-no atónito e felizes, os guerreiros do ferro, da palavra, do amor e da inteligência. Aquele que tocou a imagem da alma nunca mais tem sossego, torna-se numa calamidade sublime."
Agustina Bessa-Luís, O Sermão do Fogo, 3.ª ed., Lisboa: Relógio D'Água, 2019, pp. 143-144.
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