
"Sinto que se está preparando no mundo o grande processo contra a razão, mas a maneira como está a ser feito não me seduz. Anseio por uma grande explosão barroca e neo-romântica, gostaria que as pessoas tivessem consciência da necessidade de enfrentar profundamente o desafio do mistério que paira sobre o mundo dos homens e que oferece gratuito à nossa exploração. Incomodam-me as linhas rectas e os ângulos, detesto escrever com lápis n.º 3 e desejaria viver numa casa de Gaudi, que prolongasse a natureza em vez de a agredir, mas receio que mais uma vez se esteja a ceder à facilidade e que seja ainda o desejo de segurança, a necessidade duma mesma consolação beata e um fácil encontro com os outros - um encontro de quem está só e não de quem leva coisas para partilhar - a motivação desta irrequieta procura por um mundo de respostas demasiado acessíveis e prontas. Trata-se de valores pré-racionais, quando me parece que os valores a penetrar não podem fazer tábua rasa da grande experiência da razão. Ora o obscurantismo não é o mistério, o academismo não é o barroco, o infantilismo não é a ingenuidade, o verbalismo não é a poesia, o confusionismo não é a imaginação criadora, a irresponsabilidade não é a aventura, o desespero não é o risco. Afastámos a revelação da Bíblia, mas aceitamos a revelação dos astros, das videntes e das cartomantes. Afastámos a liturgia dos templos, mas caímos nas pequenas liturgias."
António Alçada Baptista, Peregrinação Interior, vol. I, 8.ª ed., Lisboa: Editorial Presença, 1999, p. 17.
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