Saturday, November 26, 2011

O LIRISMO D' OUTR'ORA


"É tão franzina, tão leve,
Que a gente, vendo-a passar,
Fica-se pasmada a olhar
Com medo que o vento a leve.

Mas, vendo a flor por quem peno,
Ninguém, ninguém imagina
Que o seu sorrir tem veneno,
Que o seu olhar assassina.

Porém nada há de mais belo
Que essa mulher que me atrista.
Suprema glória a do artista
Que a tivesse por modelo!

Vá na rua, entre na sala,
Vendo-a indolente e sem pose,
Ergue a voz a Apoteose
Por toda a parte a saudá-la,

Desde a alemã, flor gelada,
Até à ardente sultana,
Da moderna sevilhana
Às deusas da antiga Helada.

Qual que em graça a sobreleve
E mais belezas encarne?
Diluí rosas em neve,
Ter-lhe-eis o misto da carne.

Delgada, esbelta e altaneira,
Tem a elegância dos mastros
Basta e preta a cabeleira
É-lhe uma noite sem astros.

Seu braço jáspeo e venusto,
Quando ela me acinge ao seio,
Enrosca-se no meu busto
Tal como a vide no esteio.

Vendo-a passar tentadora,
Mais atraente que o mal,
Eu julgo-a a Eva d' outrora
E creio Adão meu rival.

É bela, sim, mas traidora!
Dum nervosismo de gata,
A cada beijo devora,
A cada carícia mata.

Porém que morte tão bela
A nos seus lábios bebida!
Quero bebê-la, bebê-la...
É morte que dá mais vida."

Rodrigo Solano, "Ela" [1900], poema não incluído em Fumo (1915 [2010]) 

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