"É tão franzina, tão leve,Que a gente, vendo-a passar,Fica-se pasmada a olharCom medo que o vento a leve.
Mas, vendo a flor por quem peno,Ninguém, ninguém imaginaQue o seu sorrir tem veneno,Que o seu olhar assassina.
Porém nada há de mais beloQue essa mulher que me atrista.Suprema glória a do artistaQue a tivesse por modelo!
Vá na rua, entre na sala,Vendo-a indolente e sem pose,Ergue a voz a ApoteosePor toda a parte a saudá-la,
Desde a alemã, flor gelada,Até à ardente sultana,Da moderna sevilhanaÀs deusas da antiga Helada.
Qual que em graça a sobreleveE mais belezas encarne?Diluí rosas em neve,Ter-lhe-eis o misto da carne.
Delgada, esbelta e altaneira,Tem a elegância dos mastrosBasta e preta a cabeleiraÉ-lhe uma noite sem astros.
Seu braço jáspeo e venusto,Quando ela me acinge ao seio,Enrosca-se no meu bustoTal como a vide no esteio.
Vendo-a passar tentadora,Mais atraente que o mal,Eu julgo-a a Eva d' outroraE creio Adão meu rival.
É bela, sim, mas traidora!Dum nervosismo de gata,A cada beijo devora,A cada carícia mata.
Porém que morte tão belaA nos seus lábios bebida!Quero bebê-la, bebê-la...É morte que dá mais vida."
Rodrigo Solano, "Ela" [1900], poema não incluído em Fumo (1915 [2010])
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