"A meu ver, no conceito do versejador, Camões tinha que trazer o cinto bem atarraxado senão escorregavam-lhe os calçotes pela barriga abaixo. Era portanto dos que, à margem da boa sociedade - essa que cumpria com os mandamentos da Igreja e consorciava em bródios e aniversários -, tocava berimbau, isto é, fazia-lhe seus acrósticos, seus vilancetes, suas odes e ditirambos. A troco de quê? Além doutras espécies de salário, de vitualhas. Dêem-lhe as voltas que quiserem, à semelhança dos aedos que enchiam a escudela à porta, onde se celebravam bodas e dionisíacas, Camões recebia em casa a sua merenda aviada. Não a ia comer à mesa dos fidalgos; comia-a na mesa de pinho do Mal-Cozinhado de suciata com outros do seu pendão, ou na casinha da Mouraria, no recanto silencioso da pobreza e conformidade."
Aquilino Ribeiro, Luís de Camões, vol. I, Lisboa: Livraria Bertrand, 1974, p. 167.
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