Tuesday, January 15, 2013

REMEMORAR


"À medida que aumentava a faculdade criadora do olhar, parecia estabelecer-se entre o estado de vigília e o sonho uma certa simpatia: tudo quanto eu voluntariamente rememorava e representava no escuro tinha a tendência de se transferir para os sonhos; passei por isso a ter medo de exercer aquela faculdade; pois, da mesma forma que Midas, ao transformar tudo em ouro, via as suas esperanças iludidas e os seus desejos humanos defraudados, assim todas as representações que eu materializava visualmente no escuro tomavam logo a forma de espectros diante dos meus olhos; e, por um processo aparentemente inevitável, depois de delineados em pálidas cores espectrais (como caracteres traçados com tinta simpática), logo a energia alquímica dos meus sonhos os revestia de um esplendor insuportável que me abalava o coração."

Thomas de Quincey, Confissões de um opiómano inglês, trad. Manuel João Gomes, Lisboa: Contexto, 1989, p. 117.

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