"Veio a mim, em sonho, mulher balbuciante no falar, vesga no olhar, torta no caminhar, disforme nas mãos, pálida na tez. Fitava-a, e assim como o Sol aquece os membros que pela noite o frio agrava, sob o efeito do meu olhar ela movia a língua, alçava o corpo e já no lívido, desbotado semblante surgiam cores agradáveis, como o quer o amor. Tendo, pois, libertado o seu falar, principiou a entoar tão doce, inebriante canto, que muito me custaria desviar dele a atenção.
"Sou", dizia, "a sereia insinuante. Nos mares desgarro os navegantes, tamanha sedução se desprende do meu canto. Cantando seduzi Ulisses. Do enlevo a que conduz este cantar, poucos logram escapar!"
Dante, A Divina Comédia, "Purgatório", canto XIX, trad. Hernâni Donato, São Paulo: Abril Cultural, 1981, p. 184.
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