Friday, July 14, 2017

NIPÓNICA



"Eu, vós que me ledes, compreendemos por exemplo o que seja colorir de azul um pedaço de tecido. Mas, o que é o azul? Por mais disparatada que vos pareça a novidade, dir-vos-ei que esta interrogação não tem resposta, a não ser que venha à baila o clássico espectro solar, e que apontemos para uma determinada faixa luminosa. O espírito japonês labora de tal maneira com a mãe-natureza, que não aceita esta noção; para ele, o azul, simplesmente o azul, não é nada, como não é nada o vermelho, ou o verde, ou o amarelo, ou o preto, ou o branco. Mas tem a impressão perfeita da cor das águas tranquilas, da cor das águas revoltas, da cor do céu depois da chuva; do mesmo modo vos falará, numa tecnologia estranha, adorável por vezes de ingenuidade, do branco beringela, do branco verde-de-peixe, da neve rosada, da neve flor-de-pessegueiro, da cor do mel, da chama enfumaçada, da cinza de prata, do verde-chá, do verde-caranguejo, do verde-camarão. do verde-cebola, do verde rebento-de-lótus. A culpa é só minha da deficiência dos termos que me acodem, se não conseguir assim revelar-vos que o japonês põe na ponta do seu pincel toda uma associação de reminiscências, de sensações, poderia dizer - a sua alma."

Wenceslau de Moraes, Traços do Extremo Oriente, Lisboa: Círculo de Leitores, 1974, p. 136. 

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