"Levantou-se e dirigiu-se ao mulo, que por ali pastava sossegado a pensar noutras missas. De um dos alforges sacou uns pergaminhos escrevinhados e cheios de chancelas, sinetes e lacres, testemunhando que eram papéis sérios e de valor. Voltou depois para nós altaneiro, animado e efusivo: - Tenho aqui, meus senhores, a solução para todos os vossos tormentos. Isto que aqui vedes nas minhas mãos é um pedaço de céu, que vosso pode ser e que vos aguarda; e mais, se vós do inferno e da suas eternas labaredas vos quereis salvar, podeis também um testamento fazer, que para isso também fui ordenado e instruído, para que, deixando os vossos bens à santa igreja, possais para todo o sempre usufruir da companhia do todo-poderoso, Deus Nosso Senhor e de Jesus Cristo, à sua direita sentado. Que tendes a dizer sobre estas maravilhas, eu sou a vossa salvação!
Acabou o onzeneiro bulista a parlapatice com uma benzedura, mais papista que o papa, e voltou às azeitonas, que apesar do jactante relambório continuavam pretas e frescas."
Paulo Moreiras, A Demanda de D. Fuas Bragatela, Lisboa: Temas e Debates, 2002, pp. 158-159.