"Através do pensamento, podemos estar além de nós mesmos sem perdermos a sanidade. Por um esforço mental deliberado conseguimos distanciar-nos das ações e das suas consequências, e todas as coisas, boas ou más, passam por nós como uma torrente. A Natureza não nos envolve completamente. Posso ser tanto um fragmento de madeira à deriva na corrente como Indra no céu, contemplando-o do alto. Posso não ser afetado por um acontecimento real que pareça muito mais importante para mim. Conheço-me apenas como entidade humana; palco, por assim dizer, de pensamentos e emoções; tenho consciência de uma dupla natureza que me permite distanciar-me de mim mesmo e ver-me como vejo os outros. Por muito intensa que seja a experiência, tenho consciência da presença e da atitude crítica de uma parte de mim que, por assim dizer, não faz parte de mim, mas é um espectador, observando a experiência em vez de participar nela; e assim é com toda a gente. Quando a peça, chamemos-lhe tragédia, da vida acaba, o espectador vai-se embora. Para ele, tratou-se apenas de uma espécie de ficção, de uma mera obra da imaginação. Por vezes, esta duplicidade torna-nos facilmente maus vizinhos e amigos."
Henry David Thoreau, Walden, trad. Alda Rodrigues, Lisboa: Relógio D'Água, 2016, p. 119.
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