Tuesday, November 6, 2018

ANJO FORTE



"Ontem e anteontem já passados
arredondemos os olhos à volta
daquela antiga realidade
alfa ómega primeira e última
que sempre diante na fronte trouxemos
Circundemo-la de um colar de palavras
sem pálpebras pobres pálidas de rosto
roubadas de esquinas eivadas
de arestas agrestes pontiagudas
Percamos palavras como folhas
perdem no outono as árvores, varridos
pelo contínuo apascentar de cuidados
Já se vão areando as praias de amanhã
desde ontem a morte morreu
E vamos e banhemo-nos no mar
que o anjo forte cúpula do tempo
se sente vir anunciar e fechar"


Ruy Belo, Aquele Grande Rio Eufrates, 5ª ed., Lisboa: Editorial Presença, 1996, p. 104. 

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