"E, assim, atingimos estes picos de emoção, não por retórica ou por exaltação, mas ouvindo uma jovem cantarolar para si mesma velhas canções enquanto se baloiça nos ramos de uma árvore; vendo as ovelhas a retouçar pelos brejos; escutando a brisa mansa a suspirar por entre as ervas. A vida na quinta, com tudo o que tinha de absurdo e improvável, é exposta ante os nossos olhos e é-nos dada plena oportunidade de compararmos Wuthering Heights com uma quinta real e Heathcliff com um homem real. Como, poderemos nós perguntar, pode haver verdade ou sensibilidade ou os mais finos matizes de emoção em homens e mulheres que tão pouco se assemelham com o que nós próprios vimos? Mas, ao mesmo tempo que formulamos esta pergunta, vemos em Heathcliff o irmão que uma irmã de génio poderia ter visto; dizemos que ele é impossível, mas, não obstante, nenhum outro jovem tem na literatura uma existência mais plena do que ele; o mesmo acontece com as duas Catherines; nunca as mulheres puderam sentir ou agir como elas, dizemos nós. Mesmo assim, elas são as mulheres que mais simpatia inspiram na ficção inglesa. É como se Emily Brontë pudesse desfazer tudo o que reconhecemos nos seres humanos e preencher essas transparências irreconhecíveis com uma tal ânsia de viver que elas transcendam a realidade. E, assim, detém o mais raro de todos os poderes - conseguir libertar a vida da sua dependência dos factos; revelar com algumas pinceladas a alma de um rosto, tornando o corpo desnecessário; ao falar do brejo, fazer o vento uivar e o trovão ribombar."
Virginia Woolf, "Jane Eyre and Wuthering Heights", in Ensaios Escolhidos, trad. Ana Maria Chaves, Lisboa: Relógio D'Água, 2014, pp. 109-110.
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