"Cada povo fez do cristianismo católico um paganismo diferente. O da Alemanha gira em torno da dança dos mortos. Os Franciscanos do século XIV legam um esqueleto aos pregadores da Reforma; imagino que era esse esqueleto que servia para as demonstrações anatómicas na oficina de Holbein. Eis a verdadeira imperatriz do Sacro Império romano-germânico. É garrida; sabe, pelo convívio com os artistas, quais as atitudes que melhor lhe convêm e, como que para sacudir o tédio de uma majestade semelhante, essa Cleópatra nua até aos ossos diverte-se com partidas de estudante. É capaz de tocar às portas. Pela maneira como é exigente, percebe-se bem que já não tem fome: poderá até, depois de se ter suficientemente divertido, reexpedir indemne por algum tempo, o hipócrita bastante hábil. A morte de Holbein é muito jovem: faz travessuras. É herdeira e legatária universal. Não digo que não tem filosofia. Quem conhece a resposta final que uma gargalhada nos lança? Neste mundo, maquinado como um antro de malfeitores, a Morte joga às escondidas com os homens. Tudo quanto fazem lhe aproveita; de tanto a vermos comer, espanta-nos a sua magreza. É a prometida de cada um todos eles se agitam, pois, para lhe trazerem um dote; todos querem ser ricos antes de morrer. Somente quando ela chega, resingam, pois desagrada-lhes que a noiva não tenha nariz. E, no entanto, é a única a que são fiéis."
Marguerite Yourcenar, Peregrino e Estrangeiro, trad. Afonso Pizarro, Lisboa: Livros do Brasil, 1990, p. 134.
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