"Não adianta fazeres de conta que tens asas. Por mais
que acredites nelas, voarão sem ti. Porque tu és do
chão. Devias saber.
Trazes restos de chumbo na alma e um caos de
grainhas no corpo que ninguém quer.
E se olhares para os teus pés verás que não caminhas
descalça. Trazes-te neles, chumbo e grainhas. Como
esperas levantá-los do fundo de tudo?
E há fragas de pó no teu leito sem janelas. E o único
ar que respiras é o que sorves dos espaços entre
as pedras.
Porque havias tu de querer um céu inteiro?
Tu pertences ao chão. Devias saber."
Virgínia do Carmo, Relevos, Macedo de Cavaleiros: Poética Edições, 2014, p. 15.