"Naqueles tempos, em que a escuridão dominava a terra, José de Arimateia acendeu uma tocha feita de pinho e desceu das colinas até ao vale. Tinha algo que fazer na sua própria casa.
E viu, ajoelhando-se sobre as duras pedras do Vale da Desolação, um jovem nu que se lamentava. Os seus cabelos eram da cor do mel e o seu corpo como uma flor branca, mas tinha-se ferido e colocado cinzas no cabelo, como se de uma coroa se tratasse.
Ele, o que tanto possuía, disse para o jovem que estava nu a chorar: «Não me surpreendo que o teu desgosto seja tão imenso, pois Ele era certamente um homem justo».
Nesse instante, o rapaz respondeu: «Não é por Ele que choro mas por mim próprio. Eu também transformei água em vinho e curei o leproso e dei vista ao cego. Caminhei sobre as águas, e dos túmulos que tinham por esconderijos, expulsei demónios. Alimentei esfomeados em desertos onde nada existia que se pudesse comer, e ressuscitei mortos das suas estreitas habitações, e à minha ordem, diante de uma grande multidão, uma figueira estéril frutificou. Todas as coisas que esse homem fez, também eu as fiz. E, contudo, ninguém me crucificou.»"
Oscar Wilde, Poemas em Prosa, trad. Possidónio Cachapa, Lisboa: Cavalo de Ferro, 2002, p. 19.