Wednesday, March 7, 2012

REMOVER MONTANHAS



"Mas esquecer não é a palavra que convém aqui... A memória deste homem não sofreu mais do que a sua força de imaginação. Quanto a remover montanhas, nem a sua memória nem a sua imaginação o podem; este homem, é necessário reconhecê-lo, mantém-se fora do nosso povo, fora da nossa humanidade, não cessa de ser esfomeado, só o instante lhe pertence, o instante ininterrupto da calamidade, instante que não é seguido de nenhuma faísca, de nenhum momento de reconforto; há apenas sempre uma mesma coisa: as suas dores, mas no mundo inteiro nenhuma outra coisa que se possa fazer passar por remédio, não há mais solo do que aquele que podem cobrir as suas mãos, tem portanto menos do que o trapezista do Music-Hall, para o qual se tomou o cuidado de estender uma rede acima do solo. Nós outros, não temos o nosso passado e o nosso futuro para nos sustentar e não passamos a maior parte das nossas folgas e, quanto tempo mesmo durante a nossa profissão, a tornar a dar carreira livre ora ao passado, ora ao futuro para os manter em equilíbrio."

Franz Kafka, Antologia de Páginas Íntimas, trad. Alfredo Margarido, 3ª ed., Lisboa: Guimarães Editores, 2002, p. 29.

No comments: