Saturday, February 16, 2013

DEPURAR


"O demónio de Sócrates era um certo impulso da sua vontade que se apoderava dele sem o ditame do seu raciocínio; numa alma tão bem governada como a deste filósofo, e tão depurada pelo não interrompido exercício da sobriedade e da virtude, é verosímil que tais inclinações, embora temerárias e severas, fossem sempre importantes e dignas de chegar ao fim. Cada qual sente em si mesmo algum âmago dessas agitações a que um impulso pronto, veemente e fortuito dá margem. Dou mais autoridade a tais impulsos que à reflexão, e experimentei-os tão débeis em razão e violentos em persuasão e dissuasão, como frequentes eram em Sócrates; deixo-me levar por eles tão útil e felizmente que poderia dizer-se que encerram algo da inspiração divina."
Michel de Montaigne, Ensaios (Selecção), trad. R. Correia, Lisboa: Amigos do Livro, s.d., p. 38.

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