Thursday, May 23, 2013
DEI EXEUNT
"A inutilidade das coisas só confirmava
no espírito as dúvidas quanto aos efeitos
de fascínio da literatura. Com o fim
do outono, a urze cresce pelo sentimento
e as palavras definham ainda antes
de adquirir a espessura que as podia
impor, como um sonho, no absoluto.
Na paisagem, campos de papoulas
envolvem poços a que animais
vêm beber para com o seu odor
empestar de nojo as dobras dos livros.
Era contudo desse bálsamo de morte
que nos alimentávamos. Esperando
que se extinguissem os vestígios
do sucedido. Porque se os deuses
partiram foi para que outra ficção
se substituísse à dor a que, pela
palavra, em nós se reduzira o mundo.
Na incerteza, só conseguíamos escrever
violentamente, estranhando que o tacto
na memória só por si fosse capaz
de restabelecer a promessa dos frutos."
Fernando Guerreiro, O Caminho da Montanha, Braga: Angelus Novus, 2000, pp. 142-143.
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