"Eles cumpriram a ordem: Ântia foi levada para a cova. Os cães eram egípcios, de um porte fora do habitual e metiam medo só de olhar para eles. Logo que os lançaram lá para dentro, puseram em cima umas tábuas grandes e taparam com terra a cova (que ficava a pouca distância do Nilo), deixando lá de sentinela um dos piratas, Anfínomo. Este Anfínomo já antes se tinha apaixonado por Ântia e, neste momento, a sua dor por ela ainda era maior, lamentando a sua infelicidade. Ele arranjou então maneira de lhe prolongar a vida e de os cães não lhe fazerem mal. De vez em quando, afastava as tábuas que estavam em cima da cova, atirava pedaços de pão e água, exortando Ântia a ter coragem. Assim, os cães, pelo facto de serem alimentados, não lhe faziam mal nenhum; bem pelo contrário, já se tinham tornado mansos e meigos. Então Ântia, revendo a sua vida, pôs-se a reflectir na situação em que se encontrava: «Ai de mim! Que infelicidade a minha! Que castigo tenho eu de suportar? Uma cova por prisão e, fechados aqui comigo, uns cães que são bem mais meigos do que os piratas. O sofrimento por que eu estou a passar, Habrócomes, iguala-se ao teu: também tu estavas nas mesmas situações, quando, em Tiro, eu te deixei numa prisão. Mas se ainda estás vivo, este meu sofrimento não é nada, pois um dia talvez nos reencontremos; mas se já morreste, é em vão que eu luto pela vida, é em vão que este homem, seja ele quem for, se compadece de mim, que sou uma desgraçada». Foram estas as palavras que deram voz aos queixumes que constantemente repetia. E lá estava ela enfiada naquela cova com os cães; quanto a Anfínomo, todos os dias a consolava, dando de comer aos cães, para os amansar."
Xenofonte de Éfeso, As Efesíacas - Ântia e Habrócomes, trad. Vítor Ruas, Lisboa: Edições Cosmos, 2000, L. IV, p. 50.
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