"Bernardo - É teimar. Tenho entendido. Mãos à empresa. Cobrei espírito novo. Dentro de um ano hei-de estar casado com mulher rica, bonita, inteligente, virtuosa...
João - Alto lá! Isso é muita coisa. Assim também o Bocage a queria para um assunto duma décima é disseram-lhe que não! Observa tu que nem para dez versos há isso tudo junto! Rica? de acordo: isso é possível. Inteligente? Isso não tira nem dá. Há opiniões a esse respeito, mas eu não tenho nenhuma; porém, sempre te direi que entre homem e mulher há igualdade de direitos, Formosa? Pieguice e contra-senso! Mulher formosa é sempre a mesma coisa, e aos olhos do marido perde pouco a pouco o prestígio da beleza. Mulher feia, com a continuação da convivência, vai perdendo a fealdade, e chega a parecer galante. As mulheres feias têm inspirado ardentíssimas paixões. Dizem que elas têm uma compensação de graças que lhes vão lavrando raízes no coração. Eu não sei se é no coração, se no fígado; o que posso asseverar-te é que tenho visto mulheres formosas apagarem muitos incêndios, e as feias atearem-nos. Dido, Helena e Cleópatra dizem que foram lindas mulheres por terem apaixonado Eneias, Páris e António. O que decerto não se sabe é se eram feias. Em quanto a virtuosa, meu caro Bernardo, a esse respeito tinha eu muito que dizer; mas os discursos são o espantalho da ação."
Camilo Castelo Branco, O Morgado de Fafe Amoroso, Lisboa: Círculo de Leitores, 1979, pp. 116-117.
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