Thursday, April 26, 2018

SEM FIM



"Quero saber quem sou. Meto-me numa alcova escura, se me concentro no meu pensamento. Angustiado, abro uma janela, e um golpe de luz desvenda-me um espaço vazio e sem limites. Intimamente, todo o meu ser se perde num deserto. Cá fora, em volta de mim, a terra é outro deserto. Um deserto sem fim; e, através dele, o meu fantasma vagabundo...
Porque eu não sou eu ainda. Eu não nasci ainda! E é possível que eu morra sem ter nascido. Eis a triste condição do homem. Saber que não existe ainda, que não nasceu ainda, que a sua consciência não é mais que um vago reflexo divino entranhado no seio duma nuvem, duma substância que não conquistou ainda uma forma no espaço e uma duração no tempo - a consciência do não-ser. 
Mas este não-ser, este nada em que vivo, exalta-se e abrasa-me de tal modo, que chego a ter a ilusão duma existência verdadeira! O sonho exasperado convence-se de que é uma realidade. Também eu, um sonho exasperado pela dor e pelo amor, me convenço, às vezes, de que existo, de que fui dado à luz do dia, de que apareci na terra e sou alguém."


Teixeira de Pascoaes, 14 de outubro de 1924, in Uma Amizade - Cartas de Teixeira de Pascoaes a Anrique Paço d'Arcos, Lisboa: Vega, 1993, p. 31. 

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