"Assim era pelos vistos nos tempos longínquos e obscuros, quando havia profetas, quando havia menos ideias e menos palavras, quando era jovem a lei terrível que fazia pagara morte com a morte, quando os animais ainda tinham amizade com o homem e o relâmpago lhe estendia a mão - assim, naqueles tempos longínquos e estranhos, o transgressor ficava exposto às mortes; a abelha picava-o, o touro de cornos aguçados marrava contra ele, a pedra esperava pela hora da sua queda para partir a cabeça descoberta do homem; e a doença rasgava-o à vista de todos, como um chacal rasga uma carcaça; e todas as setas, desviando-se do seu voo, procuravam o seu coração negro e os seus olhos baixos; e os rios mudavam o seu curso, fazendo aluir a areia sob os seus pés, o seu próprio potentado oceano lançava à costa as suas ondas alterosas e, rugindo, enxotava-o para o deserto.Milhares de mortes, milhares de túmulos."
Leonid Andréev, "O Governador", in As Trevas e Outros Contos, trad. Nina Guerra e Filipe Guerra, Lisboa: Antígona, 2018, p. 170.
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