Thursday, February 6, 2014

A PERDA



"O pastor amoroso perdeu o cajado, 
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E, de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar. 
/Nem lhe apareceu ou desapareceu/... Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas. 
Ninguém o tinha amado, afinal. 
Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo:
Os grandes vales cheios dos mesmos vários verdes de sempre, 
As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento, 
A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que estão presentes, 
(E de novo o ar, que lhe faltara tanto tempo, lhe entrou fresco nos pulmões)
E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor, uma liberdade no peito.

Mas isto são maneiras de dizer, 
Que ainda trazem engano nas frases.
Eu era só, eu fiquei só, eis tudo."


Fernando Pessoa, Poemas Completos de Alberto Caeiro, ed. Teresa Sobral Cunha, Lisboa: Editorial Presença, 1994, p. 110. 

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