Monday, March 27, 2017

TRANZIDO



"Pretendo morrer - respondeu ela -, se não me restituís o vosso coração sem o qual me é impossível viver. 
- Pede-me antes a vida, infiel! - retorqui eu derramando também lágrimas que fazia esforços por conter. -, pede-me a vida que é a única coisa que me resta para sacrificar-te, porque o meu coração nunca deixou de ser teu.
Mal acabei estas palavras, ergueu-se num arrebatamento para me beijar. Encheu-me de mil ardentes carinhos. Chamou-me todos os nomes que o amor inventa para exprimir a mais viva ternura. Eu respondia a isso ainda com certa languidez. Que salto, com efeito, da situação tranquila em que me encontrava e os movimentos tumultuosos que sentia renascerem. Tremia como sucede quando nos encontramos numa paragem remota, como que sentindo-nos transportado a um novo arranjo das coisas, onde se fica tranzido com secreto horror do qual se não sai senão depois de se ter examinado muito tempo todos os lugares vizinhos."


Abade Prévost, Manon Lescaut, trad. João Barreira, Lisboa: Editorial Verbo, 1972, p. 31. 

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