Sunday, October 21, 2018

AS CRENÇAS



"A laje da Pedra-Má, cinzenta e baça ao sol da tarde: se ali haveria também tesouros enterrados? E que houvesse - seriam do Morgado! Ninguém ousava aproximar-se dela com medo do cobranto, nem removê-la pramor do dono. A serra e tudo quanto a vista alcançava ali era do Morgado. De muitas léguas em redor, aquela montanha com cobiça e temor; viviam no pecado a desejá-la: quanta terra, quanta lenha, água e pedra e mato ociosos! O fidalgo não cultivava nem arrendava um palmo daquela selva, onde os lobos se acoitavam para descer no Inverno a dizimar os rebanhos. As cobras, ali, eram de quatro e seis metros, e até javalis e veados havia! Era uma tapada, e assim mesmo inútil: o fidalgo não caçava havia muitos anos, nem consentia lá caçadores: trazia-a bem guardada. A serra, que podia dar pão, calor, água e abrigo a dois concelhos, permanecia sáfara e hostil. Por isso, olhando a laje maldita, e povo dera há muito em chamar ao senhor da Casa da Capela - «Morgado de Pedra-Má»."

José Rodrigues Miguéis, "O Morgado de Pedra-Má", in Léah e outras histórias, 4.ª ed., Lisboa: Estúdios Cor, 1968, pp. 236-237. 

1 comment:

Jose Maria Braz said...

O melhor conto da vasta obra contística de José Rodrigues Miguéis (e eu devo tê-la lido, no mínimo, quase toda). Um dos grandes contos da língua portuguesa.