"A dentadura encravou-se! Rezai,
prometei abstinência por um ano
para quem a prótese malfeita se despegue da boca.
Ó Deus, como éreis bom,
rosas, dentes postiços,
touceiras de coqueirinho,
a profusão dos milagres.
Casimiro de Abreu, que não era santo,
mas que estava nos livros,
também ele dizia, como Jó,
como meu pai e minha mãe diziam:
«um Ser que nós não vemos
é maior que o mar que nós tememos...»
Que faço agora que Vos descubro em silêncio,
mas, dentro de mim, em nossos ossos,
vertiginosa doçura?
Os dentistas fazem as próteses, não Vós,
a terra é que gera as rosas.
Desde a juventude pedi, quero ver Teus Rosto,
mostra-me a Tua Face.
Então é este o esplendor,
este deserto ardente, claro,
de tão claro sem caminhos!
Esta doçura nova me empobrece,
nascer sem pai, sem mãe,
objeto de um amor em si mesma gerado.
Flor não é Deus, terra não é, eu não sou.
Pobre e desvalida entrego-me ao que seja
esta força de perdão e de descanso,
paciência infinita.
Quase posso dizer, eu amo."
Adélia Prado, "O Pelicano", in Com Licença Poética - Antologia, org. Abel Barros Baptista, Lisboa: Cotovia, 2003, p. 72.
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