"A Natureza nem sempre pode esperar
que a História compreenda as razões
por que se lança sem reservas nos
braços do futuro. Então, a superfície
da página rompe-se, os montes
tremem e a linguagem reserva-se
a ousadia de um último discurso.
Dita a palavra, bandos de pássaros
atropelam-se no cérebro, indiferentes
às ideias que no pensamento desarrumam.
Aves estranhas, que se alimentam
de vento, enquanto lá fora alguns
homens esperam pela brisa
que os há de conduzir a climas
que só a violência dos caçadores
conserva imunes. Nada sabem
do futuro. Inseguros, ausentam
-se do presente para esquecer
monumentos a deuses que só
a aridez da palavra mantém
insepultos. Caberia o poema
nas fichas do destino? Ou
aperceber-se-ia no movimento
das figuras que dentro de si,
enquanto sonha, permanecem
ocultas? Os acidentes
da natureza sucedem-se
interiormente e é pela
mesquinhez das palavras
que o abrigue dos ventos
que, por onde quer que siga,
lhe varrem os sentidos."
Fernando Guerreiro, Ventos Borrascosos, 100 Cabeças, 2019.
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