Monday, December 5, 2011

NIHIL A ME


"O homem, pelo contrário! Como me é transparente, a mim e a si próprio! Um ser dotado de córtex como todos nós das aves para cima, sujeito ao domínio cruel das causalidades biológicas como qualquer outro animal, inventou para si a razão, num momento de inspiração. Pode agora tornar inteiramente plausíveis todas as renúncias que se vê obrigado a fazer em virtude do seu destino superior e reagir adequadamente a qualquer situação. Pelo menos é assim que o Professor R. W. Barzel procura explicar a questão à loura Anita (39), sua mulher, à noite, quando ela está deitada na cama a ler romances policiais e a comer bombons de licor. É certo que nunca me apercebi de ela ter tirado algum proveito destes discursos, pois a expressão do seu rosto é impassível, se é que não é até irónica. Eu, porém, aparentemente a dormir sobre o macio tapete de quarto do meu professor, na realidade grato e receptivo a todas as suas palavras, posso afirmar: nada do que é humano me é desconhecido."

Christa Wolf, Unter den Linden, trad. Ana Maria Bernardo, Lisboa: Cotovia, 1991, p. 65.

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