Friday, July 13, 2012

O ESPÍRITO MALICIOSO


" - Porque me caso eu com este rapaz? - perguntou, quando Maria Rosa, na manhã do casamento, se sentou na beira da cama, toda comovida e despenteada. Nel pôs-se a enrolar os cabelos nos dedos quando pensou que a prima ia pronunciar alguma coisa ritual e virtuosa. Mas não. Às vezes, dos abismos do senso prático Maria Rosa trazia visões grotescas e demasiado humanas.
- Casas-te porque é a única maneira de não andarem atrás de ti a fazerem-te perguntas obscenas. É chato. Querem saber que espécie de mulher tu és, se não tens cio, se és pela emancipação sexual, se tens a vagina estreita, se és lésbica, se tens o complexo de Édipo. - Acrescentou rapidamente: - Isto são palavras tuas, não acrescento nada, mas tens razão. É chato.
Nel riu-se, concordou que eram palavras suas. Mas atenuava agora o tom dessas palavras, pois o coração estava apaziguado e até um pouco desinteressado da felicidade obtida.
- Julieta sabia porque se casava com Romeu.
- Aos doze anos sabe-se tudo. Eu fazia as contas de cabeça mais complicadas e o resultado saía sempre certo. Quando aplicava os teoremas, era sabido que errava.
- Então és má. O espírito malicioso nunca se conforma à matemática."
Agustina Bessa-Luís, As Pessoas Felizes, 2ª edição, Lisboa: Guimarães Editores, 2006, p. 81.

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