"para que servem as casas quando todos partiram - deixar o corpo atrás de si como uma casa vazia e ir embora, apenas isso, uma viagem rápida, fácil, correr as cortinas, apagar as luzes, fechar a porta atrás de si, nem sequer tão longo como o tempo de pensá-lo, nada tenho a explicar, quero apenas ir-me embora, as casas têm risos, chaminés, chapéus altos de feltro e luvas verdes, vestidos com fitilhos saindo das arcas da memória, trazem berços nos braços e correm ao nosso encontro como animais vivos, são quentes, loucas, imprevisíveis, fúteis, com os seus cortinados de folhos, as suas camilhas longas, os seus vidros brilhantes e os seus metais polidos, as suas botas cor de tijolo e os seus telhados inclinados, por onde escorre o tempo, mas às vezes morrem e é preciso cobri-las de terra para não suportar o horror de vê-las decompor-se, é preciso atirar depressa com pazadas de terra e deixá-las então invisivelmente decompor-se, até deixarem de existir e serem levadas pelo vento."
Teolinda Gersão, Paisagem com mulher e mar ao fundo, 4ª ed., Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1996, p. 41.
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