"O absurdo envolveu o homem, lógico, magnificente, horrível, perfeito - o escuro o envolveu. No entanto, por pouco que entendesse, ele pareceu sentir a perfeição que houvera no seu caminho obscuro até chegar ao bosque: havia nos seus passos uma perfeição impessoal, e era como se o tempo de uma vida tivesse sido o tempo rigorosamente calculado para a maturação de um fruto, nem um minuto mais, nem um minuto menos - se o fruto amadurecesse! Porque o medo pareceu-lhe estabelecer uma harmonia, a harmonia terrificante - digo-te, Deus, eu te compreendo! - e ele de novo acabara de cair na armadilha da harmonia como se às cegas e por caminhos tortos tivesse executado em pura obediência um círculo fatal perfeito - até encontrar-se de novo, como agora se encontrava, no mesmo ponto de partida que era o próprio ponto final. E se esse caminho apenas circular acabara de tornar inúteis todos os passos que ele dera, no fundo mesmo de seu medo o homem de repente pareceu concordar com esse caminho, com dor e com medo pareceu admitir que a sua natureza desconhecida fosse mais poderosa que sua liberdade. Pois de que me valeu a liberdade, gritou-se ele. Nada fizera dela..."
Clarice Lispector, A Maçã no Escuro, Lisboa: Relógio D'Água, 2000, p. 229.
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