Friday, August 18, 2017

RICTUS


"Podia-se quasi dizer que Gwynplaine era um homem vivo, em cujo rosto tinham posto a sombria máscara morta da comédia antiga; tinha em cima do pescoço aquela cabeça infernal, símbolo da hilaridade implacável. Que fardo para os ombros dum homem, o do riso eterno! Riso eterno. Entendamo-nos e expliquemo-nos. Dando-se crédito aos maniqueus, o absoluto verga por momentos e o próprio Deus tem intermitências. Entendamo-nos também acerca da vontade. Não admitamos que ela possa ser sempre inteiramente impotente. Não há existência que se não assemelhe a uma carta que o post scriptum modifica. Para Gwynplaine o post scriptum era o seguinte: à força de vontade, concentrando nela toda a sua atenção, e com a condição de que nenhuma comoção o distraísse, e lhe afrouxasse a fixidez do esforço, podia chegar a suspender o eterno rictus do rosto e a juntar-se uma espécie de véu trágico, conseguindo que depois, em vez de se rirem na presença dele, estremecessem."

Victor Hugo, O Homem Que Ri, vol. II, s. trad., Lisboa: Guimarães Editores, 1915, p. 61. 

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