"Falo sobretudo da Virgem Maria. Gualter canta-a, e em todos os tons, com grande talento. Enquanto, durante todo o século, os teólogos se esforçaram por pôr em evidência os traços que distinguem o corpo da Mãe de Deus de todos os outros corpos femininos (quando ela deu à luz o filho de Deus, a porta do seu ventre de mulher manteve-se misteriosamente fechada. Nunca terá sido, como as outras, conspurcada pelo sangue menstrual? Não foi ela a única de todos os seres humanos a escapar ao pecado original? É já, em 1140, a ideia de festejar a sua imaculada concepção). Maria, nesta sequência de histórias simplórias agradavelmente postas em verso, é muito mulher. Sedutora até fascinar o diabo, quando aparece de noite, «em camisa muito enfeitada», expondo a sumptuosidade da sua cabeleira. A Gualter, são os seios que o atraem, as mamas, as maminhas «tão doces, redondas e belas são». Serve-a, apela a que a sirvam, lealmente, assiduamente, com finamor. Ela é generosa para todos os que a amam. Mas ciumenta. A sua ira abate-se sobre quem ousar abandoná-la. Surge na noite de núpcias, instala-se entre o novo marido que a traiu e a noiva que ele se prepara para fruir. «Rejeitaste-me, acha-la mais bela e boa do que eu?» É Maria, evidentemente, quem ganha. Sem rancor, concede ao enamorado arrependido o que lhe prometeu, «alegria, consolo e companhia». No Paraíso, ao seu quarto em breve ele irá ter. As suas servas têm ordem para preparar o leito. Nossa Senhora entregará o coração ao seu filho. Guardará o corpo. Amor purus? Ou, sublimado, é certo, imaculado, fortemente misturado com sensualidade, amor mixtus?"
Georges Duby, As Damas do Século XII, vol. III, trad. Telma Costa, Lisboa: Teorema, 1996, p. 184.

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