Monday, September 12, 2016

DOMESTICAÇÃO


"A nossa instrução militar durou dez semanas, e esse tempo foi o bastante para nos transformar de uma maneira mais radical que dez anos de escola. Soubemos que um botão bem reluzente é mais importante que quatro tomos de Schopenhauer. Ao princípio espantados, depois irritados e por fim indiferentes, reconhecemos que não é o espírito que deve preponderar, mas sim a escova do calçado, que não é o pensamento, mas o «sistema», que não é a liberdade, mas a domesticação. Tornámo-nos soldados com entusiasmo e boa vontade, mas fizeram tudo para nos desgostar. Ao cabo de três semanas compreendíamos muito bem que um carteiro com divisas podia ter mais direitos sobre nós do que outrora os nossos pais, os nossos educadores e todos os génios da cultura, desde Platão até Goethe. Com os nossos olhos jovens e bem abertos vimos que a noção clássica de pátria tal como no-la haviam ensinado os nossos mestres, chegava aqui, na presente ocasião, a uma privação da personalidade que nunca teríamos ousado pedir aos mais humildes criados."

Erich Maria Remarque, A oeste nada de novo, trad. Mário C. Pires, Mem Martins: Publicações Europa-América, 1971, pp. 21-22. 

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