Friday, September 30, 2016

ANGELOS


"E os anjos fenestram o céu
para nos verem:

apaixonados, em vós penhoraram o coração,
a túnica branca do martírio e a capa antiga
do tempo caindo-lhes sobre o dorso, 

para vos verem:
arrombam os tapumes, a abrir as varandas
de onde, debruçados, estenderam os braços
a alumbrar com velas a noite mais escura, 

onde passais, batendo a uma e outra porta, 
com a face enegrecida, de um reino perdido
a um país sem nome, 

para vos verem:

entontecidos pelo fumo, cegos, 
afeiçoados à memória de uma tulha que ardeu. 
Para vos verem 
guarnecerem de janelas o horizonte
pela tarde, 

asas recolhidas num véu de luto, 
cantam em ovação os impérios abolidos
e com um sopro extinguem o incêndio;

esperam a hora de retirar as secundinas
e assistiram, as daias, ao partejar de um novo dia."


Paulo Teixeira, Patmos, Lisboa: Caminho, 1994, pp. 53-54. 

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