"- É a animalidade, a besta que sofre e que ama, que é como que o esboço do homem, toda essa animalidade fraterna que vive da nossa vida!... Sim, eu desejaria metê-la na arca, dar-lhe vida entre a nossa família, mostrá-la incessantemente confundida connosco, completando a nossa existência. Conheci gatos cuja presença era o encanto misterioso da casa, cães que se adoravam, cuja morte era chorada e que deixava no coração um luto inconsolável. Conheci cabras, vacas, burros, de uma importância extrema, cuja personalidade desempenhou um papel tal, que se lhe deveria escrever a história... Aí tens tu! O nosso Bonhomme, o nosso velho cavalo, que nos serviu durante um quarto de século, tu não acreditas que ele misturou o seu sangue com o nosso e que é já da família? Nós modificámo-lo, assim como ele próprio actuou sobre nós, acabamos por ser feitos à mesma imagem; e tão verdade é isso, que, quando agora o vejo meio cego, o olhar vago, as pernas tolhidas de reumatismo, beijo-o nas duas faces como se fora um parente pobre, que estivesse a meu cargo... Ah! animalidade, tudo quanto se arrasta e tudo quanto se lamenta abaixo do homem, que lugar de uma simpatia imensa seria preciso dar-lhe, numa história da vida!"
Émile Zola, O Doutor Pascal, trad. José Carlos de Menezes, Lisboa: Guimarães & C.ª, s.d., p. 114.

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