Monday, August 4, 2025

TENDÊNCIA


 

" - É, na verdade, espertinha, a juventude de hoje - disse Gabriel a Marcelina. E, para Zazie: - Então? Porque queres ser professora?
- Para chegar ao pêlo aos miúdos - respondeu Zazie. - Aos que tenham a minha idade, dentro de dez anos, dentro de vinte anos, cinquenta, cem, mil anos; sempre garotos para os fazer ralar. 
- Essa agora!  - murmurou Gabriel. 
- Serei má como tudo com eles. Fá-los-ei lamber o chão e comer a esponja do quadro preto. Espetar-lhes -ei os compassos no traseiro; dar-lhes-ei pontapés nas canelas, porque usarei botas, no Inverno, altas até aqui (gesto),com grandes esporas, para lhas cravar na carne do traseiro.
- Sabes? - disse Gabriel, com calma -, segundo afirmam os jornais, não é nesse sentido que se orienta a educação moderna. É até, precisamente, ao contrário. A tendência é para a doçura, a compreensão, a gentileza. Não foi isto, Marcelina, que veio no jornal?
- Sim - respondeu Marcelina. - A ti, Zazie, trataram-te muito mal na escola?
 - Não faltava mais nada.
- Aliás - continuou Gabriel - dentro de vinte anos, não haverá mais professoras: serão substituídas pelo cinema, a TV, a electrónica e coisas assim. Também isso veio no jornal, outro dia. Não veio, Marcelina?
- Sim - respondeu esta. 
Zazie entreviu esse futuro, num instante. 
- Sim - continuou Zazie -, serei astronauta."



Raymond Queneau, Zazie no Metro, trad. Alexandre Rodrigues, Lisboa: Círculo de Leitores, 1974, pp. 18- 19. 

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