Sunday, August 3, 2025

DELEITE

 


"Às onze horas da noite fomos tomar chá para o terraço. Havia um admirável luar. O terraço tem na sua base um grande tanque, cheio de plantas da água, de largas folhas, e de nenúfares, e onde poderia navegar um escaler. A água escorre ali com um murmúrio doce. A hora era adorável. As redondas massas de verdura do jardim, os arvoredos, apareciam como grandes sombras pesadas e cheias de mistério. Ao longe os campos e os prados esbatiam-se num vapor docemente luminoso e pálido. Havia um silêncio suspenso. As coias pareciam contemplar e sonhar.
Sobre uma mesa do terraço estava um bule do Japão e três pequeninas chávenas de Sèvres, uma das quais, de um gosto original e feliz, era a da condessa. Tínhamos tomado chá, e eu notava a excêntrica forma, o delicado desenho, a pura perfeição daquela maravilhosa e pequena chávena, que a condessa chamava a sua taça
- O rei Artur só podia beber pelo seu copo de estanho... - disse Rytmel, sorrindo.
- E eu só posso tomar chá por esta taça - disse a condessa. - Não sei porquê, representa para mim o sossego, a felicidade. Quando estou triste e bebo por ela parece-me que se dissipa a nuvem. Uma flor que eu queira conservar ponho-a dentro dessa chávena, e a flor não murcha. Demais o chá bebido por ela tem um gosto especial: ora veja, captain Rytmel! Beba!"


Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, O mistério da estrada de Sintra, Lisboa: Circulo de Leitores, 2006, p. 141.  

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