"Heidegger acredita que tal tédio é a evidência da nossa existência através de uma experiência directa do tempo. Sem distracções, como a televisão, rádios, jornais ou outras pessoas, ficamos desarmados perante a experiência do tempo sobre nós. O tempo esmaga-nos cada vez mais. Sentimo-nos desconfortáveis com isso, porque a maioria de nós não é capaz de lidar com um tempo sem conteúdos, com um tempo sem a distracção desse mesmo tempo. De repente, tornamo-nos conscientes de muitas coisas e, mais assustador do que tudo, tornamo-nos conscientes de nós mesmos. Sem nada para nos distrair do tempo, vemos a nossa própria existência exposta diante de nós. O tempo alonga-se de tal modo que parece uma estrada deserta sem fim. Sentimos que não vamos a lado nenhum, pois parece não haver nada para fazer e nada a fazer, ou, faça-se o que se fizer, nada se vai alterar. O tédio - diz Heidegger - é uma espécie de monstro, que nós estamos constantemente a adormecer.
Paulo José Miranda, A Morte não É Prioritária - biografia de Manoel de Oliveira, Lisboa: Contraponto, 2019, p. 206.
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