Saturday, December 28, 2019

QUEBRA-CABEÇAS



"Não dou a ninguém o direito. 
Adoro um farrapo de pano.
Mudo túmulos de lugar. 

Mudo túmulos de lugar.
Não dou a ninguém o direito. 
Sou um tipo ridículo
Sob raios do sol. 
Açoite das fontes de soda
Eu morro de raiva. 

Eu não tenho remédio,
Os meus cabelos me denunciam
Num altar de circunstância
As máquinas não perdoam.

Rio-me atrás de uma cadeira, 
A minha cara enche-se de moscas.

Eu sou aquele que se expressa mal
Expressa em vistas do quê.

Eu gaguejo,
Com o pé toco numa espécie de feto.

Para que são estes estômagos?
Quem inventou esta mixórdia?

O melhor é fazer-me de parvo.
Eu não digo coisa com coisa."


Nicanor Parra, Acho que Vou Morrer de Poesia, sel. Miguel Filipe Mochila, Lisboa: Língua Morta, 2019, pp. 22-23. 

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