"Éramos como deuses -
recolhíamos a sorte do sol
mas era no solo que acendíamos
uma luz sem brilho
onde habitávamos o lado mais benigno da beleza.
Aprendíamos a ser póstumos -
renegávamos a noite e a sofrósina
pelo privilégio de sermos comuns ao céu,
inventando uma nova astrologia
nos olhos da terra.
Descobrimos toda a nossa propensão -
o golpe comum da canícula,
sua língua de vento e braços de fome,
e somos agora exército negro
de um país sem nome.
Talvez possamos ser felizes -
amar o outono na penúria do restolho,
o gesto de querer sempre um pouco mais de sol,
de vestir a mortalha do desejo
e morrer de pé."
Emanuel Madalena, Sob a forma do silêncio, Porto: Porto Editora, 2019, p. 26.
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