Tuesday, December 31, 2019

SOPHROSUNE




"Éramos como deuses - 
recolhíamos a sorte do sol
mas era no solo que acendíamos
uma luz sem brilho
onde habitávamos o lado mais benigno da beleza. 

Aprendíamos a ser póstumos - 
renegávamos a noite e a sofrósina
pelo privilégio de sermos comuns ao céu, 
inventando uma nova astrologia
nos olhos da terra. 

Descobrimos toda a nossa propensão - 
o golpe comum da canícula, 
sua língua de vento e braços de fome, 
e somos agora exército negro
de um país sem nome. 

Talvez possamos ser felizes - 
amar o outono na penúria do restolho, 
o gesto de querer sempre um pouco mais de sol, 
de vestir a mortalha do desejo
e morrer de pé."


Emanuel Madalena, Sob a forma do silêncio, Porto: Porto Editora, 2019, p. 26.

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