"Em sonhos, vi-me de repente, frio,
Amortalhado, n'um lençol funereo,
E caminhando, à luz do luar sombrio,
Em direcção d'um vasto cemiterio.
Ia deitado, n'um caixão estreito,
Em um esquife de cristal doirado:
Levava as mãos erguidas sobre o peito,
E lagrymas no olhar, meio cerrado...
Mas ao chegar, emfim, ao Campo Santo,
Quando o Coveiro me atirou á valla,
Vi desdobrar-se, como por encanto,
Não sei que doce e misteriosa falla.
E ao escutar aquella voz amiga,
Eu descerrei o olhar, humido e franco,
E vi uma formosa rapariga,
Uma loira visão, toda de branco...
Fitei-a... E vendo-a tam gentil, tam nova,
Disse-lhe, então, com uma voz de arminho:
«Vem tu comigo repousar, na cova,
Que eu tenho medo de ficar, sosinho...»
Ella sorriu... E ao vel-a, silenciosa,
Eu exclamei, num tom vibrante e forte:
«Vem: sê a minha noiva, a minha esposa...
Que és tu?» E ella respondeu: «A Morte»."
António Nobre, Alicerces seguido de Livro de Apontamentos, ed. Mário Cláudio, Lisboa: IN-CM, 1983, p. 24.
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