Friday, December 6, 2019

BLANCHE-NEIGE



"Em sonhos, vi-me de repente, frio, 
Amortalhado, n'um lençol funereo, 
E caminhando, à luz do luar sombrio, 
Em direcção d'um vasto cemiterio. 

Ia deitado, n'um caixão estreito, 
Em um esquife de cristal doirado:
Levava as mãos erguidas sobre o peito,
E lagrymas no olhar, meio cerrado...

Mas ao chegar, emfim, ao Campo Santo, 
Quando o Coveiro me atirou á valla, 
Vi desdobrar-se, como por encanto, 
Não sei que doce e misteriosa falla. 

E ao escutar aquella voz amiga, 
Eu descerrei o olhar, humido e franco, 
E vi uma formosa rapariga, 
Uma loira visão, toda de branco...

Fitei-a... E vendo-a tam gentil, tam nova, 
Disse-lhe, então, com uma voz de arminho:
«Vem tu comigo repousar, na cova, 
Que eu tenho medo de ficar, sosinho...»

Ella sorriu... E ao vel-a, silenciosa, 
Eu exclamei, num tom vibrante e forte:
«Vem: sê a minha noiva, a minha esposa...
Que és tu?» E ella respondeu: «A Morte»."


António Nobre, Alicerces seguido de Livro de Apontamentos, ed. Mário Cláudio, Lisboa: IN-CM, 1983, p. 24. 

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