"O ser não tem aptidões nem falhas que permitam à linguagem dá-lo a conhecer a todos os que dele participam. O ser revela-se a cada um segundo a sua linguagem particular.
O ser não falha as ocasiões. Alimenta-se, constrói-se, converte. A pessoa singular, se apenas conhece a lógica do seu andar, é possível que o ignore (a mulher, o aproveitamento do tempo, não o desejo de se encontrar em casa.
A falha, em si, não existe. Todo o acto é justificável, nobre ou mesquinho ao mesmo tempo, conforme o ponto de vista. Existe, sim, em relação ao ser ou falha do ser.
Cada um pode ter razões nobres para não agir numa certa distracção. Nobres e lógicas. E é porque o ser não o arrastou com bastante força. Aí tens aquele que, em vez de forjar rebites esculpe pedras. Ele atraiçoa o veleiro.
Longe de mim ouvir-te expor as razões do teu comportamento: tu não tens linguagem.
Ou, mais exactamente, há uma linguagem do príncipe, depois uma linguagem dos seus arquitectos, depois uma dos seus chefes de grupos, depois uma dos forjadores de rebites, depois uma dos simples operários."
Antoine de Saint-Exupéry, Cidadela, trad. Ruy Belo, 3.ª ed., Lisboa: Editorial Aster, 1973, p. 304.