"Então, o outro enforcado que me puxava a perna esquerda, quis também brincar com as garras. Primeiro fez-me cócegas na planta do pé. A seguir, o monstro arrancou a pele, separou todos os nervos, descarnou-os e quis tocar com eles como se fossem cordas de um instrumento musical. Mas como eu não soltava um som que lhe desse prazer, espetou uma garra na barriga da perna, dedilhou nos tendões e torceu-os como se faz para afinar uma harpa, pondo-se a extrair música da minha perna como se fosse um saltério. Ouvi o seu riso diabólico. Enquanto que a dor me fazia soltar bramidos lancinantes, os uivos do inferno faziam coro. Ao escutar os rugidos dos danados, pareceu-me que cada uma das minhas fibras era esmagada pelos dentes deles. Por fim, perdi os sentidos."
Jan Potocky, Manuscrito de Saragoça, trad. Dórdio Guimarães, Torres Vedras: Tertúlia do Livro, s.d., p. 48.